quarta-feira, 9 de setembro de 2009

UM ENCONTRO HISTÓRICO

...então chegamos ao Rio de Janeiro. Eram 16h45 do dia 04 de setembro de 2009, uma sexta- feira chuvosa de clima ameno.
Fomos eu, o diretor de bateria da Escola de Samba Unidos do Peruche, Mestre Paulo - que já experiente, aproveitou para ampliar seus conhecimentos rítmicos através de intercâmbios com os mestres da Portela e da Mangueira -, os sambistas da Zona Leste de São Paulo e coordenadores do Projeto Samba da Tenda: Dedé, Ney, suas respectivas senhoras, Lão e Brão.
No dia em que chegamos, fomos circular pelas ruas do bairro mais boêmio do Rio de Janeiro, a Lapa. Ao chegarmos, percebi nos olhos dos amigos Dedé, Ney e Lão uma alegria nostálgica e um encantamento que os embriagava sem mesmo provar um gole das diversas marcas das melhores cachaças que enfeitavam a maioria dos bares da Rua Riachuelo. Ao se depararem com um dos mais belos cartões postais do Rio, os Arcos da Lapa, eles sacaram imediatamente suas máquinas fotográficas para registrar aquele momento que, segundo eles, era muito especial, uma vez que, os mesmos só conheciam por imagens fotográficas. Logo após a sessão de fotos, fomos até o Mofo, uma casa de samba situada na Rua Mem de Sá, onde tocava o grupo Galo Cantô, liderado pelo meu compadre Lula Matos.
No dia seguinte, fomos à tradicional feijoada da Portela, onde se apresentava também o pessoal do Projeto Samba da Toca, de Itaquaquecetuba, SP, que fez uma belíssima homenagem ao Sr. Nilo, presidente da G. R. C. E. S. Portela. Foi uma tarde muito especial, pois naquele dia, conheci um dos maiores nomes do samba, o Senhor Waldir 59.
Após horas de muita conversa e embriagantes papos sambísticos, fui convidado pelo Senhor Márcio Castilho e sua sócia Beatriz, da produtora Estrela Preta, para participar da primeira roda de compositores da Portela, que aconteceria no dia seguinte, 06 de setembro às 14 h. Mais do que depressa, aceitei. Afinal, não é todo dia que um sambista recebe um convite para participar de uma atividade tão importante como esta.
No dia seguinte, nos dirigimos novamente até a quadra da Portela. Ao chegarmos, fomos recebidos ao som de “Foi um rio que passou em minha vida”, de Paulinho da Viola, que rolava nas diferentes vozes dos vários compositores que ali já estavam. E, para minha surpresa, naquela simples roda de samba estava o lendário Waldir 59 que, para quem não conhece, é uma lenda viva da criação, desenvolvimento e preservação da Portela e deixou seu nome gravado na história da Escola com vários sambas-enredo e também sambas de quadra, em parceria com Antônio Candeia Filho, o Mestre Candeia. Em um ato cordial e diplomático, me chamaram para a roda de samba e ao adentrar, me passaram um cavaquinho às mãos. Após duas rodadas de samba, me pediram para cantar. Então, executei uma música do meu parceiro Robson Capela, “O destino do pescador”, que a todos encantou. Depois de rodadas e mais rodadas de samba, chegamos ao término da atividade e então, a Sra. Beatriz me fez um convite inacreditável: compor uma música com parceria de Waldir 59. Eu quase enfartei, pois compor uma música com um compositor que é um mito, que eu canto desde que me entendo por sambista e que, por anos foi parceiro de Candeia, mais do que um desafio, era uma responsabilidade sem tamanho. Marcamos de nos encontrar ali mesmo na quadra da Portela.
No dia seguinte, por volta das 13 h, lá estávamos novamente. Vinte minutos depois, com uma elegância e uma indumentária impecável, chegava o Mestre Waldir 59. Depois de alguns minutos de bons papos e de lembrarmos sambas antológicos, começamos a pensar como iniciaríamos esta primeira música que iríamos escrever. Idéias daqui, melodias de lá... A coisa foi fluindo, o Mestre me orientando literária e melodicamente, meu “cumpadre” Dedé harmonizando com o cavaquinho, contando com as boas sugestões de sua esposa Juliana, e, eis que surge a primeira parceria entre Waldir 59, T. Kaçula e Dedé: “Estrela Preta”, em um momento histórico no interior da lendária quadra da Escola de Samba fundada por Paulo Benjamim de Oliveira, o Paulo da Portela.

Ao escrever este texto me sinto, primeiramente, honrado pela oportunidade única de passar horas inesquecíveis e deter uma parte fundamental da genialidade peculiar da mente brilhante do Mestre Waldir 59 e, por fim, não sei ao certo o que isso representará na minha vida musical e sambística, pois ainda me sinto em êxtase, anestesiado pelo momento da última frase, da última linha, da última palavra, da última melodia.
Asè, Patacori.
T. Kaçula

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Histórias do Samba Paulista



São Paulo, início de 1724, no interior paulista na pequena cidade de Pirapora, às margens do lendário rio Tietê um grupo de pescadores encontram a imagem de um santo que aparentemente tinha as feições de Jesus. Eles achavam que se tratava de uma simples imagem perdida por algum devoto e decidiram então transportar para a cidade vizinha de Santana do Parnaíba e colocar em uma capela que lá existia. Este transporte se deu em um carro de boi que era conduzido por escravos que trabalhavam naquela região, ao conduzirem a imagem em uma antiga e esburacada estrada de terra a caminho de Santana de Parnaíba, um dos bois que puxava o carro empacou e em um atoleiro o carro virou e a imagem caiu sobre os pés de um dos escravos que cortejava a imagem de Jesus, escravo esse que nascera sem o Dom da fala. Mas ao cair a imagem sobre seus pés, este mesmo escravo falou: “ele não quer ir embora ele quer ficar aqui” espantados os outros membros do cortejo presenciaram o primeiro milagre do santo e então passaram a chamá-lo de ‘Bom Jesus.” Quando a notícia se espalhou, dezenas de pessoas passaram a visitar a peque cidade que então passou a se chamar Pirapora do Bom Jesus. Com os anos se passando, o número de romeiros á visitar a cidade em busca de um milagre se multiplicou de forma espantosa todos queriam uma graça do Bom Jesus de Pirapora.
Mas com a chegada das centenas de romeiros, a pequena cidade de Pirapora passou a organizar as romarias que tinha uma demanda bastante considerável e nas festas do santo, saiam em procissão pelas ruas da cidade até as embarcações que já posicionadas ficavam as margens do rio Tietê e assim a imagem do Bom Jesus navegava no leito do rio simbolizando a sua aparição.
Naquela época, o preconceito racial e social era tão viril e vistoso que em todas as manifestações de caráter religiosos relacionados á Igreja e ao santo, tinha uma imposição unânime em toda comunidade branca que freqüentava e organizava as procissões: “NÃO É PERMITIDO NEGROS NA PROCISSÃO” e assim com a exclusão do negro das festas religiosas, eles se refugiavam em um antigo Barracão e lá faziam o que hoje é uma das principais referências da samba paulista, o Samba de Bumbo. No interior do barracão os negros cantavam, dançavam e tocavam e ali reunidos em volta de um grande bumbo que segundo relatos era conduzido por Frederico Penteado (o Fredericão que alem de pai do bombo foi um dos fundadores do cordão carnavalesco Vai-Vai com seus amigos Sardinha e Henricão primeiro rei momo negro do carnaval paulistano.) e quando alguém queria puxar um canto, um ponto, um verso, tinha que pedir licença para o pai do bumbo e assim puxar seu lamento em forma de festa dança e muita resistência cultural. Um dos cantos que era mais puxado pelos negros que saíam da capital rumo á Pirapora era:

Oi Pirapora, oi Barueri
Oi Pirapora, oi Barueri
Quem tem dinheiro vai
E quem não tem que fique aí

(o autor desse canto é desconhecido sendo assim reconhecido como domínio público.)

(continua)


Patacori, Asè

T.Kaçula

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Quilombos do Samba Urbano

O nosso velho e bom samba “presenciou” momentos históricos na transformação da música mundial, em especial a música popular brasileira. Hoje, podemos dizer que vivemos um momento de intensa mudança nos pensamentos, na conscientização e aceitação de um samba marginalizado, porém muito rico em linguagens cotidianas do universo rural com um sotaque exclusivamente peculiar.
Samba, rural, caipira, urbano, paulista! Esse é o nosso jeito de ser e de fazer um samba cativante de uma forma muito nossa!
Em 1914, nasce uma das principais manifestações “Sambísticas” e carnavalescas de São Paulo, o Grupo Barra, fundado pelos irmãos Dionísio Barbosa e Luiz Barbosa. Já nos idos de cinqüenta (1956), Carlos Alberto Caetano (Carlão do Peruche) funda a Escola de Samba Unidos do Peruche, mas antes participou de uma das principais Escola de Samba de São Paulo, a Lava Pés, fundada em trinta e sete (1937) por Madrinha Eunice e Chico Pinga.
A tradição que o Samba em especial o Samba de São Paulo guarda nos anais de sua história, desperta um sentimento de igualdade comparado à tradição conhecida em outras regiões do Brasil e a cada dia, a cada semana, a cada ano essa tradição se instala com muito mais fulgor nos corações dos mais variados sambistas nas diversas regiões da cidade tornando-os mantedores da nossa cultura.
Grandes quilombos urbanos se formam a cada dia nas longínquas regiões periféricas em defesa de nossa cultura e na valorização do nosso velho e bom samba. Embora eu faça parte de um desses quilombos periféricos, tenho uma enorme satisfação em coordenar um dos mais importantes movimentos de samba de São Paulo, situado no centro velho de nossa cidade. O Projeto Cultural Samba Autêntico, através da Rua do Samba Paulista, objetiva desde sua criação a preservação, valorização e difusão da história e da memória do samba de São Paulo.
Mas, além do Projeto Cultural Samba Autêntico, existe uma grande movimentação de sambistas também preocupados com a preservação do samba e da memória dos baluartes. Queridos veteranos que, com muita resistência e perseverança, iniciaram na década de 20 (vinte) uma luta contra preconceitos étnicos e sociais em defesa do Samba. Posso destacar alguns movimentos que protagonizam ações onde o samba é o principal elemento de resistência cultural. São eles: Projeto Nosso Samba, Samba da Vela, Samba da Laje, Pagode do Cafofo, Samba da Tenda, Comunidade Maria Cursi, Samba do Baú, Samba de Todos os Tempos, Cupinzeiro, Berço do Samba de São Mateus, Pagode do Sobrado, samba da feira, dentre outros.
Vejo uma nova possibilidade de preservação cultural e registro histórico da nossa manifestação cultural mais popular e aglutinadora.
A história do samba de São Paulo é linda e com belas páginas que já foram escritas por grandes bambas do nosso samba como Dionísio Barbosa, Geraldo Filme, Paulistinha, Pé Rachado, Germano Matias, Zeca da Casa Verde, Dona Olímpia, Dona Sinhá, Madrinha Eunice, Dona Lola, Seu Dito Caipira, Toniquinho Batuqueiro, Seu Carlão do Peruche, Talismã, Ideval, Zelão, Juarez da Cruz, Henricão, Pato N’Água, Seu Nenê, Xangô da Vila Maria, Tia Lourdes, Tia Zefinha, Benedito Lobo, Plínio Marcos, Osvaldinho da Cuíca e tantos outros que, sem sombra de dúvidas, se destacam no cenário cultural como verdadeiros “Heróis do Samba”!
Todo este legado deixará para as futuras gerações um registro fiel de uma época de transformação no cenário cultural e “sambístico”. Um tempo em que nós, “a nova geração do samba”, fizemos uma considerável diferença no fomento da história do samba de São Paulo. Assim podemos ter a certeza que o sentimento que nos invade é de que escrevemos com muito orgulho mais uma página na história do mais popular da Música Popular Brasileira, o nosso velho e bom Samba.



Patacori, Asè!